Foi num feriado prolongado de sete de setembro que resolvi pôr certa ordem no ambiente doméstico, a cozinha mereceu maior atenção, por se tratar do lugar que há muito não vinha recebendo a devida atenção.
Como de supetão, com o intuito de renovar os ares da casa, resolvi mudar as “coisas” de lugar, e ao mexer com a geladeira, percebi que o suporte de madeira que a protegia do chão, não aguentou mais esperar por minha decisão e mostrou-se fraco, degenerando-se em pedaços. Suplicava ser retirado dali, parecia dizer-me que sua paciência comigo se esgotara. Era hora de usar os pés de geladeira, aqueles encontrados em qualquer supermercado ou loja de departamento, que havia comprado há alguns anos (isso mesmo, pés de geladeira guardados há mais de dois ou três anos). Talvez estivesse esperando que alguém (alguém aqui equivale ao meu marido) o fizesse por mim.
Pois então... Ao ver aquele apelo, resolvi não mais adiar decisão tão importante e crucial em minha vida doméstica (não precisa ser propriamente uma dona de casa pra saber o quanto nos importa ver cada coisa no seu devido lugar!). Mas uma angústia tomou conta de mim, ao mesmo tempo em que resolvia, decididamente, que a minha geladeira teria, enfim, os seus merecidos pés.
Onde estão os pés da geladeira? Onde os coloquei? Será que os joguei na última faxina, achando que nunca ninguém me ajudaria a colocá-los e ou iria fazê-lo por mim?
Após procurar ansiosamente, já estava quase de saída pra comprar novos pés, encontrei-os num canto da prateleira da área de serviço. Empoeirados, mas ali, intactos e ansiosos, creio eu! Esperando pelo grande dia!
Senti uma alegria que normalmente não se sente ao encontrar um pé de geladeira que há muito não se via pela casa. Convoquei a “secretária” para ajudar-me em tão importante missão, e ela prontamente me atendeu. Qual não foi nossa surpresa (mais minha do que dela, porque ninguém, mais do que eu sabia há quanto tempo aquela coitada clamava por pés decentes) foi simples, rápido e fácil. Pronto. A minha geladeira primogênita estava lá, de pés novos.
Mesmo muito cansada da faxina, que foi pra valer, me senti abstraída num momento de “viagem”, como dizem meus alunos, pra não falar de reflexão.
Quanta coisa na nossa vida não é como os pés da geladeira da minha casa. Passam uma vida inteira esperando atitudes simples, decisões apenas, para poderem tomar seu real lugar. É preciso que, muitas vezes, se chegue a extremos pra percebermos o quanto, determinadas decisões precisam ser tomadas. Ainda bem que a geladeira soube esperar, pacientemente, e não fez birra. Porém, hei de confessar algo inusitado: a maior beneficiada com os novos pés ficou tão emocionada, que chorou! Isso mesmo! C-H-O-R-O-U!
Imaginem, que logo após o término das atividades domésticas e de profundas emoções e reflexões despertadas por tal fato, dei uma breve saída e ao retornar, a minha “secretária” me recebe com uma sonora afirmação: “Não sei o que está acontecendo, mas a geladeira está toda molhada, o chão está todo molhado. Está descongelando, deve ter sido a emoção muito forte com os novos pisantes!”
Tive que rir daquilo, mas mesmo assim fui averiguar se de alguma forma danificara-a no momento em que a arrastávamos, entretanto, sem mais ela retomou suas atividades profissionais sem nenhuma reclamação. “Ufa! Que bom! Ela voltou ao normal”! E um peso considerável saiu de cima dos meus ombros.
Rosângela Medeiros de Normando Morais.
Setembro de 2005.